Ouço o cantar do velho relógio no corredor. Carunchoso e ronceiro não obedece como deve ser à medição do tempo. Sempre foi assim. Quando fica triste, amua e para. Quando está feliz, dança e sonha. É ele que fabrica o seu próprio tempo, um tempo à espera do fim. Ouviu-me. Badalou numa voz rouca doze badaladas, como que a despachar, mas, primeiro, gemeu um pouco. Agora vou dormir embalado no seu cantar. Lá fora, a noite, num silêncio sem luar, tem inveja do meu sonhar.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
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