Dias pequenos, sol escondido, nuvens tristes e povoações despidas causam-me estranheza. Obrigam-me a procurar algo de grande, colorido, quente e alegre. Onde encontrar tamanho bálsamo num domingo à tarde? Andei sem destino, percorrendo velhos caminhos. Conheço bem demais aqueles locais. Posso estar longo tempo sem passar por eles, mas reconheço à distância pedras, árvores, curvas, ruínas, casas, alminhas, pelourinhos, cruzeiros, antas, fontes, lajes, muros, praças, montras, tascas, ruas, travessas, pontes, rios, ribeiras, serranias, igrejas, capelas, e, até, gentes que, na sua tristeza e silêncio, se sentam debaixo de velhas árvores nuas ou chorosas com a vida que se escapa através da queda de folhas amorosas. Passo por todos esses lugares conhecidos e revisitados vezes sem conta à procura de algo de grande, colorido, quente e alegre. Nada. Andei, comentei, recordei, dissertei e desejei que me fosse propiciado num domingo triste um motivo qualquer que me ajudasse a esquecer a melancolia da tarde sem sentido e vazia de esperança e de alegria.
Quando me aproximei do local, lembrei-me de o visitar. Costuma ter coisas diferentes, interessantes para alguns, novidades vindas de um país nórdico. Uma espécie de santuário do consumo capaz de ajudar a preencher necessidades sem grande utilidade. Por vezes encontram-se coisas aparentemente interessantes. Acalmam a angústia de muitos com pouco dinheiro. o que é importante em qualquer momento da vida.
Não sou facilmente seduzido por coisas banais. Às vezes também caio, ou finjo cair, desde que não seja muito dispendioso.
Percorri o espaço cheio de bugigangas, mas sempre com a esperança de ver se encontrava as esculturas de um artista da região. Costuma colocar naquele espaço à consignação. Sabe do ofício. Já adquiri, em tempos, uma deliciosa estatueta a representar Inês de Castro. Guardo-a num local onde todas as semanas a contemplo conjuntamente com outras peças. Faz-me bem.
Há muito tempo que vejo a mesma peça nesse local, uma estatueta de mulher, pequena, em granito, sem cabeça, esguia e misteriosa. Desta vez na estava no local do costume, uma vitrine, mas, mesmo assim, encontrei-a. Pensei: - Continuas aqui? Como é possível que ninguém te tenha levado? Rondei a peça várias vezes. Depois agarrei-a e disse-lhe: - Pronto! Ficas para mim. É isso que queres, não é verdade?
- Vais levá-la?
- Vou!
- Porquê?
- Guardado está o bocado para quem o há de comer!
A meio da tarde ficou no lugar com que sempre sonhou. Olhei-a e adormeci cheio de tranquilidade e alguma felicidade.
A arte tranquiliza a alma, sobretudo num inquietante domingo à tarde.
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