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Montanha

Fui atrás do sol, convicto de que encontraria paz, beleza e silêncio. Penetrei no ventre da serra despovoada, estranha, calada, indiferente à minha passagem, cheia de segredos, sem lágrimas, sem gritos, sossegada e, por que não dizer, desconfiada. Viajei com a angústia dos meus pensamentos. Vivem comigo, massacram-me a qualquer momento e obrigam-me a pensar no futuro com os seus tenebrosos acenos. Tentei libertar-me, mas não foi fácil. O belo sol não conseguiu apagar o mal-estar que sentia. Revivi velhas paisagens, passei por localidades cada vez mais vazias, cruzei-me com algumas pessoas, idosas, sem futuro, esquecidas do passado, com almas geladas à procura do calor de uma tarde de outono, talvez com esperança de não sentir o sofrer prometido pelo advir. Vi o que já vi, senti o que já senti e ouvi o que queria ouvir, o mais belo silêncio da montanha adormecida sob um sol quente e indiferente à vida da pobre gente. Foi o que quis sentir. À medida que me ia afastando comecei a desfrutar alguma tranquilidade embrulhada em saudade da montanha que ia ficando cada vez mais distante. Depois, recordei a tarde, as cumeadas, as paisagens de verdes diferentes, as folhas douradas e vermelhas de árvores arrogantes e sem vergonha em mostrar a nudez perante o desejado inverno. Consegui, talvez devido à magia das serranias, expulsar a angústia dos meus pensamentos. Foi quase ao chegar que me libertei do mal-estar que me perseguiu. Agora, reconstruo os pormenores do meu percurso. Tantos, diversos, onde pontuam recordações em tempos semeadas e lembranças que, entretanto, foram libertadas e que andavam à minha procura. Encontrei-as.

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