O dia foi longo. Trabalhei como é meu dever e obrigação. O tempo faz sentir que a ilusão da vida é uma realidade, pesada e fatigante. Fiz de conta que não me apercebi de tal coisa. Fingi. Começa a ser costume. Fingir não faz mal, sobretudo quando consigo trabalhar e respirar com denodo e amor. Afasto tudo, as más ideias, as frustrações, as raivas, os pesares e as misérias da vida. Ouvi histórias, desbravei rostos, penetrei, com delicadeza, em almas desejosas de serem compreendidas e amadas, fiz o que mais me agrada, dançar e respeitar seres desesperados e ávidos de franqueza. Apreciam imenso o cantar desconhecido de um ser que os respeita, que sabe ouvir, que gosta de dar, nem que seja por uns breves segundos, um sorriso simples e natural, porque o melhor da vida é abarcar o seu semelhante, desconhecido, alvoraçado num mundo perdido. Um breve momento que consegue dar sentido ao que mais nos perturba e inquieta, a razão de ser da vida. Amo particularmente estes momentos, distantes de todos e de tudo, mas que representa a essência de ser. Vivo sem fingimento e sem perturbação. Consigo alcançar o impensável, através da única forma de extravasar a mais singular das orações, libertar o desejo de amar e a necessidade de ser amado. O dia termina embalado num cantar único, algo tão vulgar que nem quem quero imaginar. Tranquiliza-me recordar o que ouvi, o que vi e o que senti, vidas escondidas na vulgaridade de um dia.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
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