Procuro sempre velhos lugares, o local onde nasci, locais onde me senti feliz, onde encontrei momentos de paz, onde o corpo ainda era leve, tão leve que nem sabia que existia e onde a alma não se importaria de adormecer para poder nascer. São quase sempre os mesmos. Ao procurá-los não faço outra coisa do que cumprir uma espécie de migração, a migração do tempo, que passa por mim fazendo-me acreditar que sou eu que viajo no espaço. Uma agradável ilusão. Olhos para as velhas árvores, hoje bem vestidas, verdes, viçosas, vaidosas, e recordo quando estão nuas, quando eram pequenas e quando as colocaram naquele sítio. Calcorreio os mesmos lugares, e sinto os mesmos sons, a mesma música, o mesmo silêncio e a delicada brisa que corre sem saber donde vem e para onde vai. Olho paras as ramagens, nem uma folha se move. Nem uma. Olho para a água da ribeira e o silêncio do ar transforma-a num espelho. Ouço apenas a queda de água, mais em baixo, com a mesma doçura de outrora, sempre a cantarolar, umas vezes mais alto outras mais baixo, mas sempre com a mesma frescura, como se o tempo não lhe enrugasse as suas cordas vocais. Lentamente, a brisa, invisível entre os seres mais invisíveis, começa a rondar-me provocando um estranho calafrio, não de medo, não de apreensão, mas de alegria refrescante, límpido, capaz de expurgar a alma de pensamentos dolorosos, levando-me a pensar nos bons momentos. A estranha sensação de frio incomoda-me um pouco, mas consegue aquecer a alma. Uma brisa suave, uma brisa de outros tempos, que continua com o mesmo cheiro, a água, com o mesmo sabor, a doce, uma brisa tranquilizadora, arrebatadora de memórias, que, delicadamente, me diverte com as lembranças. A brisa mostra-mas como se fosse um álbum, fecha-o, abre-o, sempre num acaso propositado, e sorri. Olho para todos os lados. Sinto-a, cheiro-a, mas não a vejo. Também lhe queria sorrir e agradecer. O tempo parou e não se importou com as badaladas do sino da torre. Confesso que o tempo me surpreendeu mais uma vez. Prometeu-me que a minha migração iria continuar. A brisa ouviu, estremeceu e sorriu feliz. Agora sim, foi-se embora, o vento começou a nascer. Antes de ir, acenou com o álbum, dizendo muito baixinho, para o surdo do tempo não ouvir, depois mostro-te mais.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
Comentários
Enviar um comentário