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"Cenário do medo"...


Certos fenómenos ecológicos obrigam-nos a refletir sobre o nosso próprio comportamento. 
Acabo de saber que os predadores não atuam no controlo das suas presas apenas pela eliminação, mas também através de outros meios, como o medo. Ou seja, a sua presença, cheiro ou quaisquer outras características obrigam-nas a um estado de alerta permanente através da referenciação de um mapa dito do medo, procurando locais de refúgio e evitando sempre que possível os locais de risco. A reintrodução de lobos num parque americano, para evitar os efeitos negativos nas árvores causados pelos veados, determinou uma redução do efetivo destes não devido exclusivamente à morte, mas a uma diminuição da reprodução em consequência dos efeitos biológicos nas suas hormonas, fruto de carências alimentares provocadas pela permanente vigília. Uma forma de intimidação com reflexos muito importantes na cascata trófica ecológica que não se fica apenas por esta relação, predador e presa, indo muito mais longe, até ao aspeto das paisagens. Dizem os entendidos que o "mundo é verde devido ao medo". Como? Evitando a destruição da paisagem graças ao medo que as espécies herbívoras têm dos seus predadores. O controlo não se faz apenas pelo ataque direto, mas sobretudo pela intimidação, que sabem reconhecer nos espaços onde habitam. Para isso servem os seus "mapas do medo".
O medo, o pânico, contribuem de forma inequívoca para um controlo eficiente do ambiente. No caso dos seres humanos também podemos observar ataques diretos que provocam a morte de outros. As guerras e os conflitos são uma boa prova disso. A par desta agressividade, ocorrem também inúmeras formas de intimidação capazes de provocar medo, ansiedade, doença e morte prematura. No entanto, não podemos extrapolar os achados do mundo natural para o homem, porque nós criámos um novo mundo, dito "cultural", em que as regras ecológicas não se aplicam, mas os mecanismos são os mesmos, e predadores e presas pertencem à mesma espécie. A falta de emprego, a ameaça do desemprego, a humilhação laboral e todos os atentados à dignidade humana andam à solta provocando medo, intimidando, não como os lobos que foram reintroduzidos na floresta americana, mas como a expressão suprema do diabolismo humano. 
Se o medo, no mundo natural, é o responsável pelo belo aspeto de "verde", verde da paz, da beleza, do equilíbrio, o medo, no mundo criado pelo homem, é o responsável pelo "vermelho", o do sangue, o da dor e o da falta de esperança.
Há mais honra e dignidade entre os assustados dos veados e os lobos, do que entre os homens, os dominados pelos demónios e os que lutam pela liberdade e grandeza humana. Neste último caso, o sucesso do diabolismo está mais do que garantido. 
Basta olhar em redor.

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