Avançar para o conteúdo principal

"Na cabeça de um átomo"...


Se olharmos para o passado é fácil de concluir que a velocidade de informação era tão baixa que nalguns casos nem tinha qualquer hipótese de ser transmitida. Sociedades diferentes viviam no mesmo planeta sem saberem umas das outras, logo não podiam comunicar. Na altura o mundo era enorme, de uma vastidão difícil de compreender. Quando começámos a perceber que vivíamos no mesmo planeta a primeira preocupação foi comunicar, comunicação feita através dos negócios e, posteriormente, também, à custa da fé e da espada. As notícias quando chegavam faziam lembrar a luz das estrelas que vimos numa bela noite, elas estão à frente dos nossos olhos mas não são mais do que imagens de um passado, porque a realidade dos acontecimentos nesse momento é impossível de conhecer. Mesmo assim, o homem conseguiu reduzir o tamanho do mundo. Depois, a velocidade de comunicação e de informação aceleraram, mas, mesmo assim, continuávamos a assistir a acontecimentos que já tinham ocorrido desconhecendo perfeitamente o que estaria a acontecer num presente qualquer. Esse desconhecimento poderia ser angustiante mas também tranquilizador, havia como que uma bolha, uma couraça, que protegia a intimidade de cada um. O mundo continuava a ser uma coisa imensa. Os séculos começaram a acelerar e as carroças até deviam "voar" sob o chicote nervoso dos condutores. À medida que aumentava a velocidade diminuía o tamanho do mundo e aumentava a preocupação e interação entre os seres humanos que, ciosos do valor da informação, procuravam, no mais curto espaço de tempo, tê-la à mão para poderem tomar as suas decisões. O mundo diminuía de tamanho e as pessoas começavam a encostar-se umas às outras. Depois, graças ao engenho das telecomunicações, e à rapidez dos transportes, o raio do planeta terra encurtou-se, e muito. Planeta mais pequeno, planeta com mais gente, e, naturalmente, o risco de atropelarmo-nos, uns aos outros, tornou-se uma realidade. 
A falta de espaço, não digo espaço geográfico, mas o espaço da vivência, é muito perigoso e até fonte de conflitos e de intervenções quase que instantâneas, por vezes emocionais em que a violência e os erros de decisão são uma realidade. Toda a gente está ao alcance de um clic. Uma opinião emitida neste preciso instante pode influenciar o comportamento de muitas pessoas a milhares de quilómetros de distância. Pode-se falar sobre tudo e sobre todos. Pode-se interagir em qualquer momento. Pode-se emitir opiniões. Pode-se influenciar o comportamento dos outros. Pode-se violar a intimidade de qualquer um. Enfim, há um comportamento novo, motivado pela velocidade da comunicação e facilidade de interação, cujas vantagens são mais do que evidentes, e defendidas em todas as áreas, mas há graves inconvenientes: perda da liberdade individual, isolamento, perda do direito à privacidade e à criação de um espaço próprio, vitais para um adequado equilíbrio mental e social, entre outros aspetos, naturalmente. O mundo encolheu demasiado. Se continuar neste ritmo, e vai, não tenho dúvida, qualquer dia transforma-se na dimensão da cabeça de um átomo com uma superpopulação que não consegue respirar, pensar, inovar, criar e amar, tendo obviamente necessidade de dar cabo uns dos outros e arranjar maneira de travar, de filtrar e impedir que a velocidade em viajar e comunicar os leve à loucura e a outras coisas tristes. Afinal de contas, deem a volta que quiserem o ser humano não está preparado e nem tem mecanismos de adaptação a ambientes deste género. Quer espaço, muito espaço, seja o que entendermos por espaço...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...