"Triste país"...


Uma tarde livre é algo pouco habitual. Quis o acaso, e a época, que hoje tivesse possibilidade de fazer algo de diferente. Fui até à Figueira da Foz. É raro ir até aquelas bandas, que, noutras épocas, constituía um ponto de referência estival de máxima importância. O tempo passou e quando o tempo passa muda tudo, sobretudo os velhos hábitos. Ao chegar à cidade, a mente, liberta de preocupações, deixou-se inundar por inúmeras recordações que se sobrepunham de forma intemporal. O compasso de espera para uma brevíssima reunião permitiu verificar o apagamento de velhos pontos de referência. Triste ver esse apagamento. Dói. Mas também dói o vazio humano que se prolongava pelas ruas e até pela praia. Um vazio humano, um vazio de sentimentos e um vazio de esperanças. Dói ver a decadência a desfilar perante os olhares de quem se entretém, durante uma bela tarde, a analisar os passantes e o ambiente. Perguntei o que se passava, como se fosse muito complicado encontrar as explicações. Apenas queria ouvi-las de outra boca. Não quis ficar na cidade luz e fui até Cantanhede. Não fiquei muito tempo, cheguei como os gaiteiros, na véspera da inauguração da feira. Acontece chegar antes do tempo. E agora? Bom motivo para ir jantar à Mealhada, há muito que não comia peixe de tão bela região. Mas ainda era muito cedo e desloquei-me até à Curia. Um local esplendoroso com história e encanto. Andei pelo parque. Sedutor, vazio de gente, vazio de sentimentos e vazio de esperança. Nem a fonte dos desejos me cativou, há muito que ficou surda e cega. Algumas folhas castanhas impregnavam o chão como que antevendo um outono prematuro. Dói ver um local tão belo vazio. Pensei, o país está morto. Só pode. Passeei e inebriei-me de lembranças do passado, as minhas e de muitos outros. Cheguei à Mealhada e lambuzei-me sem escrúpulos. Há dias em que temos necessidade de esquecer certas coisas, para isso nada melhor do que um estômago saciado capaz de morfinizar o cérebro. Enquanto o fazia, o vazio humano instalava-se no restaurante. O país está morto, pensei. Acabei o repasto e fui dar uma volta para esmoer. Andei por ruelas que nunca tinha visto. Escondidas, começaram a revelar algo de surpreendente que o sol dourado realçava de forma despudorada. Casas, muitas casas degradadas, mortas como os seus proprietários. Um vazio humano num cemitério de casas vazias. O país está morto. Mas está mesmo. 
Os espaços por onde passei durante a tarde foram, em épocas mais ou menos remotas, pulmões sociais, músculos de atletas, belos paraísos, fontes de riqueza, penedos de saudade, antros de alegrias e de esperanças, no fundo altares de almas de portugueses. Hoje, estavam vazios. Incomoda-me o vazio, incomoda-me a agonia de um povo, que parece ter aceitado com resignação a morte anunciada. Triste país.

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