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"Tarde"...


A tarde está cheia de vazios, sem sabores, sem cheiros, sem nada que me convença que valha a pena ver, sentir e desejar. Tarde sem interesse, mergulhada em angústia, desprovida de sentido e de vontade de viver. Ouve-se apenas barulhos, de serras, de alguns automóveis e pouco mais. Ruídos que atropelam o silêncio. Aguardo que o tempo passe. Apenas boceja. Olha para mim como se eu fosse o culpado. Pobre tempo que não tem mais nada do que fazer do que estar a aborrecer-me. Embirrou comigo, como se tivesse culpa de ter nascido numa tarde sem interesse. Tento explicar-lhe que estou farto de o sentir. Ri-se, goza comigo, e boceja mais uma vez, uma autêntica provocação sem sentido. Quero fugir-lhe, mas não me larga. Vigia-me como se fosse um carcereiro maldoso que goza com a angústia de um pobre prisioneiro. Viro-lhe as costas, finjo que não ouço os ruídos da rua e tapo os ouvidos com auriculares que debitam música suave ao acaso. E o tempo boceja, sempre a bocejar, como se tivesse necessidade disso. Fá-lo por pura diversão. Eu finjo que não estou a reparar. Os dedos procuram as letras esperando que se acasalem umas com outras esperançado numa fértil explosão de ideias e emoções. Não sei se vão sair, não sei se querem procriar. Eu queria tanto, mas como, se o tempo boceja, boceja e até enoja de tanto bocejar. Roubo-lhe pequenas lascas da fímbria da sua roupa, roupa de um tempo que passa e que eu não vejo passar. 
Deixou de bocejar...

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