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Claustro


O velho claustro, escondido dos humanos e perdido debaixo das águas do Mondego durante séculos, emerge, à luz do sol, a beleza anquilosada de um passado rico, com os seus segredos, angústias, tristezas, pecados e desejos nunca revelados. Piso as suas sepulturas, ouço as suas vozes, e entristece-me que violem os seus sonhos. Leio os nomes e datas, e reparo que podiam estar agora a meu lado. O calor do respaldar de um banco de pedra, afastado na altura da luz do sol, obrigou-me a saborear a mesma brisa que acalmou as almas penitentes de quem já sofreu. O céu é o mesmo, o ar brilha cheio de cor, os pensamentos não são diferentes enquanto os restos dos corpos sofrem o peso dos pés e o barulho de gente que não respeita ninguém, pecadores ou inocentes. Deixo que os meus pensamentos se impregnem pelos que aqui foram largados, criados, alagados e nunca mais lembrados. Soube-me bem pisar chão sagrado, alivia quem repousa e ajuda quem anda cansado.

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