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Teatro


Domingo de férias não deveria ser muito diferente de um domingo normal. Mas foi. Rumei sem sentido à procura do descanso e da frescura. Tombei numa região conhecida. Senti a brisa intensa do rio e a beleza suave das suas margens. A tarde convidava ao descanso. Sentei-me na esplanada e vi gente despreocupada vadiando como eu, embora algumas procurassem ajuda nas velhas águas que vêm emergindo desde a noite dos tempos das entranhas da terra, quentes, sedosas e sulfúreas. Por ali passaram príncipes, reis e rainhas e a maioria gente desconhecida à procura de alívio para as suas dores. A confiança e a fé são imutáveis ao longo do tempo. Descansei, ou melhor, fingi, até que me deu ganas de fugir. Fugi. Não andei muito. Parei na vila. Vila ou cidade? Agora nunca sei como tratar a nobreza snob de velhíssimas localidades, prefiro as tratar por tu, como se fossem vilas, em vez de sua excelência como "exige" a subida de estatuto, a cidades reles e sem sentido. 
Deixei-me enveredar por uma ruela escura e estreita, a qual, acobertada por inúmeros chapéus coloridos, emitia sons musicais. Zona velha e tortuosa a querer dizer que era mais uma rua "direita". E era mesmo. Algumas casas estavam em ruínas, enquanto outras, maltratadas pela falta de sentido estético dos seus proprietários, choravam com saudades do passado. Andei. Parei. Ouvi. Vi e voltei a andar até ao fim da rua estreita. Do lado esquerdo erguia-se com majestade a igreja da misericórdia, fechada, como era previsível, enquanto do lado direito um imponente palácio, mas cheio de cárie, tentava mostrar um sorriso convidativo. Pensei no seu passado e lamentei o seu futuro. Mais abaixo estava a igreja matriz. Aberta. Entrei. Entristeceu-me. Merecia melhor sorte e cuidado. Chamou-me a atenção uma velha Santa Isabel no altar. Havia mais imagens, como um bela Nossa Senhora com o menino além de uma delicada Nossa Senhora do Carmo. Ao lado, o velho palácio tinha a porta aberta. Espreitei e entrei no átrio. Não fiz mais do que isso. Um gigantesco retrato da rainha D. Amélia dominava o amplo espaço. Tinha sido ali que se hospedou aquando do tratamento das suas maleitas nos finais do século dezanove, para ir a águas nas vizinhas termas onde deixou a sua marca, nome e benfeitorias, como era seu apanágio. Gostava de ter subido e visitado o palácio, mas uma corda, e um sujeito vestido de calças justas azul elétrico, não eram propriamente sinais convidativos a tal pesquisa. Regressámos pela velha rua. Em sentido contrário vinha gente de todas as idades. Subitamente, uma jovem simpática aproximou-se e disse a sorrir: - Venham connosco. O espetáculo no palácio dos marqueses de Reriz vai começar daqui a poucos minutos. Não resistimos ao convite e fomos. No átrio, os dois artistas, um casal de asturianos, começaram a atuação, "Telepathie". Teatro moderno, com muitas e curtas cenas, em que os espectadores acabaram por participar como figurantes e atores. Tudo sem sobressalto, sem invasão da timidez, apenas com alegria e muita cordialidade. Subimos a escadaria agarrados à corda, cumprindo com suaves regras. Depois, largámos a corda e entrámos na sala de suas majestades fidelíssimas. Sentámo-nos. Cada um escolheu a cadeira e o local. Depois foi simples, os caminhos da vida, a realidade, as metáforas, os dizeres, as escritas, as leituras e os sons dos sinos vizinhos, cada um tocando as sete horas e as trindades. No final, um senhor, meio desdentado e um pouco desgrenhado, magro, cinzento e baço no olhar aproximou-se. Meteu conversa e apresentou-nos o seu trisavô pintado num enorme e cuidado óleo que abrangia toda a parede em frente. Contou tudo, a história da casa, da vida, do país, da região e de muitas outras coisas. Acabei por ver as entranhas do palácio, os seus recônditos, a sua decadência, a sua beleza e até o quarto com a cama onde dormiu a última rainha de Portugal. Vi muito e ouvi muito mais. 
Tivemos de arranjar um sítio para jantar, tarefa quase impossível num domingo em Portugal quando se percorre o interior. Um café salvou-nos. A meio da refeição apareceu o grupo de jovens organizadores das festividades. Reconheci a moça. Quando ia a sair, chamei-a. Perguntei-lhe se fazia parte da organização. Respondeu que sim. Antes, tinha-lhe questionado a sua graça. - Susana. Dei-lhe os parabéns. Agradeceu e disse: - Foram bem apanhados, não foram? Sorri. Despediu-se feliz, prometendo mais iniciativas.

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