Avançar para o conteúdo principal

Paganismo


Gosto imenso de apreciar templos religiosos. A arquitetura, a história, o silêncio, as imagens, as esculturas, os paramentos, a própria religiosidade, vertida em momentos de alegria, de aflição e de dor, e, sobretudo, o tremendo e esbelto paganismo à vista de quem quer ver a vida humana nos seus medos, desejos, crenças e aspirações, atraem-me de forma particular. A única coisa que não encontro é a calçada para os patamares divinos ou o bafejar macilento de qualquer Deus. Por aqui não anda, nem andará. Sorrio, não com desprezo, obviamente, dos que procuram o silêncio miraculoso da cruz ou das belas e delicadas estátuas esculpidas com prazer e fé, mas com vontade de fazer o mesmo que eles, nem que fosse para parecer mais um neste vale descuidado e desprotegido de qualquer atenção divina. Imagino que tudo não passa de uma interessante e criativa encenação. O que vejo é idêntico aos velhos templos pagãos com estatuetas de deuses vingativos e brutos ou de deusas sedutoras que prometiam os mais delicados prazeres. Nessas alturas os deuses estavam mais perto de nós, ao alcance da mão e também da imaginação. Depois pensaram que estavam perto de mais e que eram muito semelhantes aos que lhes pediam favores. Por isso, lembraram-se de os empurrar mais para cima, para patamares insondáveis e impossíveis de recriar, onde deixariam de ter características próprias dos seres humanos. A imaginação do que foram ou o que faziam desagrava-se no momento da morte e no longo esquecimento alimentado pelo tempo. Sem estátuas, sem imagens, sem esculturas, sem rituais, sem normas e sem divinais fantasias o que seria dos crentes que acorrem em grupo ou no silêncio solitário e doloroso? Seriam equivalentes a nada.
Gosto imenso de apreciar templos religiosos. Atraem-me de forma particular porque são uma forma de comunicar cheia de poesia e de significado que, lentamente, se vai perdendo no tempo. Mas há algo que nunca perdem, um sentido estético e uma ordem filosófica que ajuda quem deles precisa, os que creem em seres divinos ou santificados e os que creem na poesia e criatividade humanas. Agora são assim. Com o tempo as suas pedras e símbolos serão transformados noutros templos e noutras obras destinadas a colmatar o vazio da existência, sempre na indiferença do divino, mas perfeitos no eterno paganismo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fugir

Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

Nossa Senhora da Tosse

Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

Guerra da Flandres...

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão. Exmas autoridades. Caros concidadãos e concidadãs. Hoje, Dia de Portugal, vou usar da palavra na dupla qualidade de cidadão e de Presidente da Assembleia Municipal. Palavra. A palavra está associada ao nascer do homem, a palavra vive com o homem, mas a palavra não morre com o homem. A palavra, na sua expressão oral, escrita ou no silêncio do pensamento, representa aquilo que interpreto como sendo a verdadeira essência da alma. A alma existe graças à palavra. A palavra é o seu corpo, é a forma que encontro para lhe dar vida. Hoje, vou utilizá-la para ressuscitar no nosso ideário corpos violentados pela guerra, buscando-os a um passado um pouco longínquo, trazendo-os à nossa presença para que possam conviver connosco, partilhando ideias, valores, dores, sofrimentos e, também, alegrias nunca vividas. Quando somos pequenos vamos lentamente percebendo o sentido das palavras, umas vezes é fácil, mas outr...