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"Procissão"...


Hoje foi dia de procissão. Fiquei em casa, estava muito calor e não me apeteceu ir ver a marcha da turba de fiéis que, sob um sol escaldante, acompanhavam a Nossa Senhora e alguns santos, que têm a oportunidade anual de apanhar um pouco de sol. Conheço-os a todos e presumo que devem ficar satisfeitos com a volta. Fazem bem. Ouvi, à hora esperada, os acordes da banda filarmónica. Avisei: - A procissão já lá vem. - Onde? - Na ponte da praça. - Então eu vou vê-la ao cimo da rua do Calvário. Vens? - Não, não me apetece, fico aqui. 
Recordei outras procissões ocorridas neste dia e alguns episódios. Nada de especial. Talvez uma ou outra me marcaram. O meu filho mais novo, que devia ter uns quatro anos, a idade da descoberta e das associações, disparou alto, e em bom som, uma exclamação que pôs a sorrir toda a gente e até os próprios santos. No silêncio sepulcral adotado aquando da subida íngreme do Calvário, imprópria para os mais débeis e ingrata para os músicos, os quais guardavam os bofes para o sacrifício, atentou no padre, vestido a preceito, e cortou o silêncio: - Olha o padre Alberto todo vaidoso, vestido de mulher! - Cala-te, meu ranhoso. Cala-te. É o calas e repetiu a frase muito admirado por aquele ritual. Ao passar em frente, começou a acenar-lhe com entusiasmo mas não teve a correspondência necessária porque as suas mãos empunhavam a custódia. Recebeu apenas um discreto sorriso.
Prefiro recordar só este. 

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