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"Segredo"...


Certos segredos conseguem queimar mais a alma do que passar a eternidade no inferno. São filhos de comportamentos abjetos, perversos e animalescos, que emergem das profundezas do que há mais de primitivo no ser humano. São frutos de erupções imprevisíveis. São capazes de destruir qualquer um. Quando as vítimas despertam da acalmia da turbulência, inesperada e dolorosa, sentem que as suas almas estão rasgadas, esfrangalhadas e são acometidas por sofrimentos indescritíveis, como se estivessem possuídas por um diabólico sentimento de destruição que as quer consumir. Arrastam-se longamente com a mesma angústia que os afogados devem sentir naqueles breves e horríveis momentos que precedem a morte. Só que não morrem, mas sentem-se como afogados. Não sabem muitas vezes quem procurar, não podem partilhar os seus problemas, não conseguem confessá-los, embora desejassem. São segredos horríveis. Por vezes sou confrontado com algumas situações que nunca pensei passar, embora saiba que existem. Quase que nem preciso fazer grande esforço. Pequenos sinais, repetidos, parecidos, soltos, como curtos e intensos flashes, deixam a entender o pedido de socorro. Depois é estranhamente simples, comovente por um lado e arrepiante por outro. Tudo se desenrola com uma estranha facilidade, e a ajuda também sai, e em breve, como que por magia, a angústia desaparece e o medo também. A alegria e a confiança começam a brotar dos olhos, das mãos, do rosto, dos lábios, das palavras e do coração. Um doce alívio e uma misteriosa paz invadem-nos. O segredo, o mau segredo, transforma-se numa má lembrança agrilhoada pelos belos e genuínos sentimentos e caráter da vítima acabada de renascer. A esperança vive e o sofrimento desaparece. O segredo deixa de o ser a partir do momento em que o conheço. Passo eu a suportá-lo. Doloroso e pesado. Mais um a juntar a tantos outros. No fundo, são episódios que permitem apreciar em toda a sua plenitude o significado de uma profissão, ver a alma sofredora em toda a sua nudez e vesti-la de conforto e carinho. Vive, e vai viver sem dor, apenas com uma má lembrança agrilhoada à sua nobreza e belo caráter.

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