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"Almoço"...

De quando em vez tenho de mudar de rotinas, não porque seja meu desejo, mas porque as circunstâncias assim o impõem. Adapto-me com enorme facilidade e dou azo à imaginação. 
O almoço de hoje obrigou-me a deslocar para norte, uma dúzia de quilómetros. Já tinha ido em tempos àquele lugar que me deixou uma boa impressão. 
Com era cedo fiz tempo numa esplanada e andei a vadiar pela localidade onde outrora estudei. Mudou muito. 
Olhei para a igreja e comentei: - Vê lá tu que conheço tão bem esta terra e nunca entrei na igreja, nem mesmo quando andei por aqui. Sou tão descuidado. Bem, o meu descuido prende-se com o facto de quando passo não tenho tempo ou, então, o templo estar encerrado. Vi a porta entreaberta. Não perdi o momento. Não fui criticado, apenas ouvi mais uma vez a mesma interjeição: - Mais uma! São todas iguais. - Não são nada. São todas diferentes. Entrei e verifiquei que era pequena, uma só nave, com tetos pintados com motivos religiosos muito bonitos. As imagens eram proporcionadas, umas antigas e uma ou outra mais recente. Vi o São Brás, todo feliz no teto e na parte lateral esquerda do altar. Gosto sempre de ver o São Brás. Faz-me recordar a minha mãe. 
Feita mais uma peregrinação de natureza estética e religiosa fomos almoçar. Entrámos no restaurante, simpático, cuidado, com boas recordações e fizemos o que tínhamos a fazer, almoçar. Ao fundo, do lado direito, visualizei uma senhora conhecida. Sozinha, fazia o mesmo que nós. Deve ter-me reconhecido, mas evitou o olhar. - Não faz mal, pensei. Não deve querer incomodar-me. É calada, a tombar para o solitário. Mesmo assim, consegue ter alguma intervenção cívica através da escrita periódica num semanário regional. Realço que o faz com algum interesse. Conhece-me desde longa data e já tivemos algumas conversas, não muitas, porque não é muito dada a isso, nem mesmo quando fez parte de uma assembleia municipal. No final, a senhora levantou-se e eu esperei que passasse junto da minha mesa para a poder cumprimentar. Interrompi por momentos a minha refeição. Não queria deixar de manifestar alguma cortesia e boa educação. Não consegui porque enveredou para uma das portas laterais. Pensei: - Foi aos lavabos. Aguardei a sua saída, estando sempre atento, não fosse a senhora passar por mim e não a cumprimentar o que seria uma tremenda falta de educação. O tempo ia passando e a senhora nada. Esperei. Nada. Nunca mais apareceu. Até que olhei para uma das portas e reparei que uma delas dava para a cozinha. Foi então que deduzi que a senhora, conhecedora da terra, por razões familiares, e do local, provavelmente por algum tipo de rotina gastronómica, tinha-se furtado a cruzar com a minha pessoa. Sorri, comentei e até especulei sobre os motivos. São comportamentos que registo com a maior naturalidade. Junto as atitudes, as conversas, alguns comentários perdidos, mais juízos e acontecimentos alheios. Depois "cozinho". Foi o que fiz. 
Sorri.

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