Paz...

Por onde quero que vá esbarro invariavelmente com a sua figura. Parece que não há canto, templo, castelo, vila, cidade, rio ou fonte de recordações que não a encontre. 
Sinto o bater de um sino muito poderoso a dar as duas da tarde. Hoje, sem querer, mudei de piso. Escolhi outro silêncio. Um outro templo não muito afastado do habitual. 
Não sabia que naquele local tinham sido feitas as pazes entre o pai e o filho. A sua intercessão no início de uma batalha fratricida conseguiu evitar o pior. A sua coragem e o seu amor pelo marido, pelo filho e pelo povo foi determinante para a estabilidade e a paz de um Portugal ainda criança. São curiosas as suas imagens e passagens com as quais tropeço frequentemente. Já me sentei em locais onde esteve. Noto que os seus pensamentos vivem sem se importar com o tempo. Alimenta almas e esperanças de quem se vê deserdado pelo mundo das ilusões. É raro o dia, seja qual for a sua medida, que não a encontre. O país está impregnado do seu aroma, da sua beleza e do seu amor. Hoje, sentei-me num local onde foi feita a paz entre o rei e o filho que o sucedeu. 
Adoro sentar-me no silêncio dos tempos passados. Portas abertas. Espaço acolhedor. Sinto-me como em casa. Sento-me ao lado de uma pequena capela onde uma deliciosa e terna Pietá vive sem se importar com nada, a não ser a lembrança de um passado percorrido sem tempo pelo mais estranho dos fenómenos, o próprio tempo em pessoa. 
Entra alguém. Sinto o ressoar dos seus passos. Sinto o clique de uma máquina fotográfica. Aproxima-se à minha direita. Cabelo branco e desgrenhado, uma espécie de poeta perdido. Olha para mim e pergunta: - É o senhor padre? Sorri-lhe. Já me confundiram com muitas coisas, mas é a primeira vez que sou confundido com um sacerdote. Também sou um sacerdote, mas à minha maneira. Quando lhe respondi que não era o padre, perguntou-me se podia tirar fotografias. Enquanto ia escrevendo, disse-lhe: - Pode, pois. Esteja à vontade. Andou. Mirou. Fotografou. Sentou-se um pouco e depois abandonou o templo fazendo explodir no mesmo os sons da sua saída enquanto eu ia amolecendo a minha alma na penumbra e na alegria de uma deliciosa igreja dedicada a São Martinho. Pus-me logo a pensar que nunca mais chega a sua época para poder comer as minhas castanhas e beber o vinho novo. 
Cai o silêncio mais profundo na beleza da nova e estranha penumbra. Olho para o lado e a Senhora, com o filho morto ao colo, adormeceu. 

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