Fui cedo. Aproveitei para respirar o ar do final da tarde num dos espaços mais emblemáticos de Coimbra, a praça 8 de maio. A brisa começou a acelerar e o corpo a arrefecer. Um fenómeno típico que marca a transição entre o dia e a noite que se avizinhava. Sentei-me, bebi um café e deixei a memória percorrer aqueles espaços trazendo à luz do dia, que se apagava lentamente, lembranças de quase meio século. Sobrepunham-se provocando confusão e alguma agitação. Todas queriam a primazia. Não era capaz de me concentrar numa que fosse. Eram tantas que acabaram por provocar a ilusão de que vivia no presente todo o passado. De repente olhei para cima e encontrei a solução. O tempo parou, o passado esfriou, o presente aqueceu e o ar cheio de paz e de tranquilidade coloriu-se de um amarelo avermelhado pintado no templo sedutor e eterno de quem ama a sua cidade. Bastou olhar para cima e desfrutar as mensagens de vida e de história guardadas ao longo dos séculos. Depois foi a noite que apareceu. Foi a primeira vez que participei num colóquio ao ar livre, "ciência ao luar". Soube bem falar naquele espaço sobre o ar, deixando que as palavras, as ideias e as opiniões subissem lentamente impregnando as belas e doces pedras da igreja de Santa Cruz. Não sei se as entendeu. Não importa, o que interessa é que as guarde nos poros do seu belo corpo e as liberte quando entender. Sempre é uma forma sensual de mostrar a importância do saber.
Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite. Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.
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