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"Duas crianças"...




A semana não foi das melhores. Fui abalroado por situações diversas que deixaram as suas marcas, diretamente ou através de recordações.  Magoaram. Pautaram-se por comportamentos indignos que caracterizam muitos seres humanos, injustiça, prepotência e falta de caráter. Não consigo habituar-me e nem fugir a estes quadros da existência. Nem mesmo longe, como a querer escapar à violência da vida, ao procurar a beleza de um tempo perdido, evitei o massacre. Que fazer, meu Deus? Não me importa que ouças ou não, que existas ou sejas fruto da imaginação, pergunto em teu nome como se encerrasse na curta pergunta o mundo, o universo e a razão da vida. Mesmo assim consegui alguns dos meus intentos, vi, imaginei e senti coisas diferentes que me souberam bem.  Breves momentos capazes de fazer qualquer alma feliz.
No regresso da longa viagem ainda tive tempo de ir ver uma exposição onde belas obras de arte me acenaram silenciosamente com a sua beleza e discrição. Passei por várias. Fingi não ver algumas, mas no final fiquei com o olho preso a uma. Na verdade foram duas. A prioritária foi uma bela estatueta, delicada e sensual de uma bailarina em bronze. A outra era um pequeno quadro, que estava praticamente escondido na parede junto ao canto da sala grande. Uma moldura dourada, de dimensões razoáveis, davam corpo a uma sensível pintura em que duas crianças, menino e menina, brincam na praia num estilo impressionista, cujas cores, suaves e muito delicadas, conseguem esconder a inocência e mostrar a beleza de seres que ainda não conhecem as verdadeiras formas e violências do mundo. Optei pela primeira, uma bela estatueta de arte Deco. Hoje, fui o primeiro a chegar, não queria perdê-la. Vi, pelo andar da carruagem, que iria ser minha. Nem sequer cheguei a licitar. O pregoeiro, enquanto tratava da papelada, disse-me para ir dar uma volta para ver se encontrava mais alguma coisa que me interessasse. Segui o seu convite e fui diretamente ao canto da sala. Retirei o pequeno quadro da parede, sem hesitação, como se tivesse sido sempre meu. As crianças da pintura devem ter ficado aliviadas com a minha manifestação. Trouxe as duas obras que me encheram de alegria, de paz e de confiança na vida. 
Agora, que já não vejo dois dos deuses da noite de verão, Vénus e Júpiter, sentado na varanda, olho para dentro da sala através da janela e reparo no belo quadro a que irei chamar "inocência da vida". Curiosamente, e sem qualquer premeditação, reparo que ocupa a parede de uma forma perfeitamente similar à outra. Só que aqui vai desfrutar do olhar e do prazer de quem ainda vive e acredita na ilusão de que a arte cura muitos males e alimenta o coração. Afinal, hoje não foi um dia em vão.

Comentários

  1. As emoções e vibrações que a arte transmite a quem possui a sensibilidade única de a apreciar e entender, podem ser mais que um lenitivo, mais que um agente ou um veículo amenizador, capaz de acalmar o espírito e de o reconciliar com a alma?
    Pode! ;)

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