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"Máscara de porcelana"...

Uma curta entrevista. A senhora, de chapéu e sentada na praça de toiros, foi interpelada pela jornalista. Estive atento. Falou, comentou, expressou oralmente os seus sentimentos e emoções. Ouvi com atenção. Assustei-me. As suas frases não eram acompanhadas da esperada expressão facial, que documenta, acompanha, reforça e fala de forma particular. Apenas o lábio inferior se mexia. O resto não. Nem as pregas ao redor dos olhos piscavam ou soluçavam. Nada. Apenas a mandíbula descia ou subia, acompanhando as falas. Conseguia transmitir um sorriso sempre igual, uma isolinha a raiar o patético. Acabei por saber que já era avó. Uma avó com cara de porcelana a raiar os trinta e poucos anos. Para que serve uma face destas? Para brincar às bonecas? A senhora irá tombar num envelhecimento aparvalhado oferecido pelo tempo. Envelhecimento enxertado numa artificialidade sem sentido. Onde estão as rugas? Onde está a pele macilenta? Onde está a sombra da vida passada? Onde estão as emoções? Como pode uma alma presa em cerâmica artificial falar do que sente e deseja? Triste figura, esconder a beleza e o encanto da vida através da matéria inerte e sem expressão. Espera mais uns anos, não vão ser necessários muitos e sentirás o repúdio por teres apagado o melhor que a vida te deu, os vales alegres e tristes escavados num rosto ligado ao coração. 
E agora? Agora só te resta cair e partires de vez a máscara de cerâmica. Máscara sem emoção. Máscara da ilusão.

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