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"Dia sem nada"...

Os dias sucedem-se e não vejo nada. São dias sem nada. Eu sei que faço parte desse nada. O que eu desejaria era não sentir nada, nunca ter visto a luz do sol, o frio do inverno, o calor do prazer ou o desamor da falsa esperança. O que eu queria mesmo era não sentir nada. Para lá caminho, aos trambolhões e a passo acelerado, esquecido dos deuses e lembrado dos demónios dos homens. Olho em redor e sinto um enorme fedor. Fujo para recantos limpos das fúrias e ameaças do homem. Recolho-me à sombra do esquecimento para tentar recordar os momentos em que não havia nada e nem pensava em lamentos. Mergulho em pensamentos, quentes e sedutores, recordo-me de frases belas e refrescantes e tento imaginar como seria a vida se tivesse o mínimo de fôlego de um deus com letra pequena. Esses deuses consigo entendê-los, não se escondem e nem são soberbos. Escondo-me para que ninguém me veja e para que possa sentir o dia do fim do princípio que teima ser o meu advir. Não sinto prazer em ver o que vejo, lamento e não invejo, nem sei se sofro ou se existo, apenas sei que não queria nunca ser visto. Olho e não vejo. Vejo e não encontro. Prefiro ir ao encontro da solidão, mergulhando na mais profunda escuridão onde dança e brinca a minha inocente e pobre ilusão. Fugiu-me e não me encontra. Aguarda que um dia lhe apareça como se fosse o seu fiel cão. No fundo é apenas uma questão de ocasião. Chegará o momento em que iremos adormecer mão na mão e coração ao lado da triste e cansada criação. Nesse momento nascerá uma singularidade, a vida transmudar-se-á na mais bela oração, o melhor dia de qualquer vida, o dia sem nada...

Comentários

  1. O desejo em sintir o nada, em ver o nada, mergulhando na mais profunda inocencia, é definido no Budismo por Zen. Este exercício de meditação contemplativa, permite ao praticante, através da paralização dos pensamentos, observar a sua própria mente e partindo daí, entender a realidade. ;)

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