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Azáfama


A azáfama de um dia de trabalho desperta sentimentos e permite fruir alguns acontecimentos. As pessoas giram em volta de si mesmas, compram, entram e saem das lojas, correm esbaforidas, enquanto outras andam mais lentamente como se não tivessem de pagar qualquer tributo ao tempo. Caras levantadas, limpas, deslavadas, pintadas, caminham sem pensar.  Outras transportam nos seus rostos os tormentos do corpo, a ansiedade da alma, ou as duas. Tudo gira, mesmo os que param junto das montras ou os que acabam por sentar-se numa esplanada, lutando ou amando com irrequietas línguas que se afligem sempre que têm de respirar o branco sujo do fumo dos cigarros. Conversas desgarradas, muitas sem sentido, outras esvaziadas de conteúdo ou cheias de coisas inúteis, que são as melhores para ocupar a ociosidade do meio da tarde. Acumulam-se sons e passos dos transeuntes aos ruídos urbanos, incómodos, despropositados, capazes de irritar os mais sensíveis. A vida anda pela cidade, não sei se anda perdida ou aborrecida, só sei que anda vazia, mas mesmo assim enche quem tem necessidade de apreciar qualquer coisa, mesmo a mais banal e transitória. O tempo gosta desta azáfama, não pode passar sem ela. Eu já não digo o mesmo.

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Tenho que fugir à rotina. A que me persegue corrói-me a alma e destrói a vontade de saborear o sol e de me apaixonar pela noite.  Tenho que fugir à vontade de partilhar o que sinto. Não serve para grande coisa, a não ser para avivar as feridas. Tenho que fugir à vontade de contar o que desejava. Não quero incomodar ninguém. Tenho que fugir de mim próprio. Dói ter que viver com o que escrevo.

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Acabei de almoçar e pensei dar a tradicional volta. Hoje tem de ser mais pequena para compensar a do dia anterior. Destino? Não tracei. O habitual. O melhor destino é quando se anda à deriva falando ao mesmo tempo. Quanto mais interessante for a conversa menos hipótese se tem de desenhar qualquer mapa. Andei por locais mais do que conhecidos e deixei-me embalar por cortadas inesperadas. Para quê? Para esbarrar em coisas desconhecidas. O que é que eu faço com coisas novas e inesperadas? Embebedo-me. Inspiro o ar, a informação, a descoberta, a emoção, tudo o que conseguir ver, ouvir, sentir e especular. Depois fico com interessantes pontos de partida para pensar, falar e criar. Uma espécie de arqueologia ambulatória em que o destino é senhor de tudo, até do meu pensar. Andámos e falámos. Passámos por locais mais do que conhecidos; velhas casas, cada vez mais decrépitas, rochas adormecidas desde o tempo de Adão e Eva, rios enxutos devido à seca e almas vivas espelhadas nos camp...

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