Azáfama


A azáfama de um dia de trabalho desperta sentimentos e permite fruir alguns acontecimentos. As pessoas giram em volta de si mesmas, compram, entram e saem das lojas, correm esbaforidas, enquanto outras andam mais lentamente como se não tivessem de pagar qualquer tributo ao tempo. Caras levantadas, limpas, deslavadas, pintadas, caminham sem pensar.  Outras transportam nos seus rostos os tormentos do corpo, a ansiedade da alma, ou as duas. Tudo gira, mesmo os que param junto das montras ou os que acabam por sentar-se numa esplanada, lutando ou amando com irrequietas línguas que se afligem sempre que têm de respirar o branco sujo do fumo dos cigarros. Conversas desgarradas, muitas sem sentido, outras esvaziadas de conteúdo ou cheias de coisas inúteis, que são as melhores para ocupar a ociosidade do meio da tarde. Acumulam-se sons e passos dos transeuntes aos ruídos urbanos, incómodos, despropositados, capazes de irritar os mais sensíveis. A vida anda pela cidade, não sei se anda perdida ou aborrecida, só sei que anda vazia, mas mesmo assim enche quem tem necessidade de apreciar qualquer coisa, mesmo a mais banal e transitória. O tempo gosta desta azáfama, não pode passar sem ela. Eu já não digo o mesmo.

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