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Silêncio dos deuses



Gosto de passear pelas minhas bandas, porque apesar de conhecer bem a região, acabo por me surpreender com coisas novas, nunca observadas ou não sentidas. Não foi o caso de hoje. Não é que não me tenha apercebido de belezas naturais que nunca vi ou de alguns monumentos mais ou menos discretos que mereciam atenção, mas é preciso abrir os olhos de espírito. Hoje, as portas emperraram e os olhos fecharam. Ainda fiz alguns esforços. Relembrei personalidades e histórias ocorridas naqueles espaços. Senti que poderia criar algo novo, simples e suficientemente belo para recordar. Nem sempre consigo. Fico com pena de ter perdido o suave e colorido veludo produzido pelo sol no silêncio abandonado de uma natureza delicada e amorosa que se entristeceu um pouco por não lhe ter dado mais atenção e rezado a sua oração. Perdi muitas oportunidades, mas mesmo assim, num breve piscar de olhos, ao passar por uma povoação sem gente, triste e abandonada, vi dois arbustos que abraçavam as colunas do terraço de uma habitação. Abraços de ternura próprios da natureza. Simples, delicados e sem ambição. Um pouco mais à frente, no mais puro silêncio abençoado pelos deuses dos homens, deparei-me com uma velha estrada amputada, em que a ponte, feita de dois arcos quase retangulares, escondia um ribeiro sem lágrimas. Não me foi difícil ver, ouvir e pensar o que por ali terá ocorrido em tempos.
Deixei o silêncio em paz.

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