Tarde rotineira. Ver
trabalhadores, na sua maioria saudáveis ou sem grandes problemas, não é
estimulante, apenas justifica a necessidade de cumprir as regras e fomentar a
prevenção que tanta falta faz entre nós.
Aspeto elegante, solta nos
gestos, com um à-vontade construído ao longo de uma vida ainda curta, respondia
às perguntas com calma e alguma curiosidade. Vi, perfeitamente, que era uma
mulher perspicaz, socialmente reconhecida e culturalmente distinta. Agradou-me
a atitude; transbordava simpatia e tranquilidade. Subitamente, fui obrigado a
engolir em seco. Tremi e assustei-me. Contou-me que tinha estado de baixa devido
a cancro da mama. Os meus olhos saltaram do seu rosto à procura da data do
nascimento. Fiz os cálculos sem esforço. Tinha 36 anos de idade e foi operada
há pouco mais de um ano. – Também fiz quimioterapia. Disse com um sorriso muito
discreto. É natural, pensei. A forma como ia descrevendo os acontecimentos, com
calma e muita confiança, mexeu comigo. Confesso que não consigo habituar-me a
certos fenómenos, sobretudo quando me obrigam a recordar situações tormentosas.
Vários casos de sofrimento vieram ao de cima de uma forma explosiva como se
fossem punhais a emergir da terra-mãe a querer matar, e não alimentar como
deveria, vidas que correm ao sabor dos caprichos do estranho destino. Tentei
apagar as tristes pinturas de casos ocorridos no passado com as cores vivas,
quentes e cheias de paixão com que me estava a premiar. Talvez tenha sido isso.
Deve ter reparado no meu incómodo e ofereceu-me um longo sorriso empacotado em
seda colorida de esperança. Tentei esconder as minhas angústias e rematei como
se o facto de ter um cancro da mama fosse a coisa mais natural do mundo: - Está
tudo resolvido, felizmente. – Pois está! Olhe, por causa do que acabou de dizer
quero oferecer-lhe este folheto. Sabe, eu sou também bailarina e organizei um
espetáculo que vai ter lugar no próximo dia 18 de outubro no Casino da Figueira
da Foz. Tive muito receio de que não seria mais capaz de dançar. Mas não. Vou
dançar com prazer e alegria. O evento destina-se a angariar fundos para a
unidade do hospital de dia de oncologia. Olho para o prospeto e vejo a sua
imagem cheia de suavidade. O tema do espetáculo, “Renascer - porque o cancro
também dá vida”, refletia a vida renascida que sorria para mim cheia de
esperança e de beleza.
Agradeci a gentileza do seu ato. Uma lição para o resto da minha vida. Vou guardar o prospeto.
Agradeci a gentileza do seu ato. Uma lição para o resto da minha vida. Vou guardar o prospeto.
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