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Lágrimas de sino

Não ouço o sino. Falta pouco. 
Por onde passo registo os sons dos sinos. Gosto de os ouvir, desde o dar as horas, as meias, os quartos, até aos mais tristes ou alegres repiques. Cada um tem a sua própria assinatura. Escrevem de maneira diferente o que lhes vai na alma de bronze. Os seus sons surgem por vezes com voz rouca, dura, seca, cristalina, alegre ou fina. Gosto de os ouvir, mas também gosto de os sentir. Atrás do som vem a vibração como se fosse uma mão capaz de acariciar ou acalmar o que vai no coração. 
Gosto de ouvir sinos. 
Quando ouço pela primeira vez um novo sino desligo-me de tudo. Fico desperto. Saboreio a sua voz e imagino o que ele já viu, cantou, escondeu, alertou, chorou e alegrou. Sinto as suas emoções, que correm atrás dos sons. Quero guardá-las, mas não consigo, esfumam-se como a neblina da manhã ao nascer do majestoso e ardente sol. 
Toques diversos, rápidos, lentos, alegres, tristes, formais ou informais, os sons dos sinos conseguem produzir as mais belas formas de fazer poesia, sobretudo quando tocam o último verso de qualquer vida. O momento em que o sino chora para quem não o ouve.
Já deu as horas, não tarda dá a meia, e daqui a pouco vai pôr-se a cantarolar a sua bela lengalenga. Toca, toca, e eu ouço, ouço. 
Tocassem os "meus" sinos no fundo da galáxia e eu reconhecê-los-ia como se fossem a imagem da minha alma. 
Ainda os vou ouvindo. 
Um dia tocarão sem eu saber.

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