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Suave calor


Deixo-me embalar pelo suave calor que vem do mar. Doce e sem futuro. Aquece quem sente necessidade de viver, mas, em seguida, desaparece e esquece os que sofrem com a sua ausência. Calor doce, inebriante, como a querer lembrar os efeitos do espírito do vinho. O sono aparece por uns instantes. Em voz baixa e solene tudo faz para matar quem pense ou recorde os efeitos inebriantes da vida. Sensações fugazes a recordar as palavras loquazes de quem quer enganar o resto do mundo. Mundo aparvalhado, dorido e ofendido por um dia ter sido criado sem objetivo. Restos de vida falida e projetada para nada. Não é filha do divino, nem do demónio, apenas aconteceu por um mero acaso doentio. A vida esvoaça ao sabor dos sons do ar mudo e dos gritos silenciosos de quem sofre por andar neste mundo. Há os que fingem viver. São os que envenenam os seus semelhantes sem dó e sem piedade, porque só assim o mundo pode vingar e sobreviver a tantas tolices, palermices e esquisitices, filhas, enteadas ou amantes de quem julga ser capaz de mudar o que quer que seja. Nada muda, tudo se transforma. A natureza humana não muda, apenas se transforma, mostrando constantemente a mais sincera visceralidade da destruição, da humilhação e do falso perdão, apenas para poder gozar à custa de uma enorme multidão. Aqui estou, olhando para a água, cheirando o seu perfume, sem conseguir ouvir um único queixume; apenas sinto o desejo de me inebriar no esquecimento do doce e suave calor que vem do mar. Não sei se para amar, tranquilizar ou atormentar. Não sei e não me interessa. Só quero cheirar sem dor o suave calor que vem do mar.

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