"Centro de dia"...

Uma segunda-feira sem nada que fazer é pouco comum. Confesso que não consigo ocupar tempos livres sem trabalhar ou ter que realizar algo devidamente programado. O dia estava bonito e fiz companhia à minha mulher. Tomar um café sabe sempre bem. Entrámos no centro comercial. É raro ir a grandes superfícies. Entrei e dei conta de que uma livraria tinha desaparecido, a Bertrand. Recordo que sempre existiu naquele espaço. Comprei tantos livros, vi tantas obras e folheava com volúpia aquelas que mais me seduziam. Estar entre livros é como estar no meio de uma floresta encantada onde se consegue ver, ouvir, cheirar e respirar a essência do mundo e compreender a razão de ser da vida. Um livro transforma qualquer pessoa, desde que se lhe toca até viajar na recordação que só o tempo sabe transformar e esculpir com novas formas. – Desapareceu a livraria! Mau sinal. Sinal de crise. Sinal de falta de dinheiro. Ninguém quer adquirir a beleza criativa do mundo. Afinal, isto está mesmo muito mau. Quando se deixa de comprar livros é porque a vida está corroída da bicheza da ignorância. Estamos mal, muito mal. Não há mesmo dinheiro. Em primeiro lugar está o estômago e em último o cérebro. Longa é a distancia entre estes dois órgãos. Só o dinheiro sabe como encurtá-la. Presumo que seja essa a razão.
No andar de cima sentámo-nos para tomar café. – Não gosto de vir aqui. – Mas o café é bom! - Sim. É bom. Mas não me sinto bem. – Porquê? – Ainda me confundem com os reformados que passam a vida neste espaço. Olha para aquele. E as outras, aquelas que estão além. – Que mal tem? É uma maneira de passar o tempo. – Credo! Ao fim de três dias já devem conhecer-se uns aos outros. Conversam. Leem os jornais. Alimentam-se de fofoquices. Que raio de vida! Até tremo de pensar que posso passar o resto da vida neste “centro de dia”. Em vez de estarem aqui, podiam ir apanhar sol numa esplanada ou andar a visitar coisas interessantes. Olha, vamos embora, vamos dar uma volta.
Se a livraria estivesse no local onde sempre esteve não pensava nestas coisas da velhice. Que chatice!

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