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"Purgatório"...


Sinto-me numa espécie de purgatório, um local que sempre imaginei ser confuso, indefinido, triste, doloroso, cinzento, uma espécie de corredor da morte à espera da aplicação da sentença ou de uma inesperada mas pouco provável absolvição. Em pequeno ouvia aterrorizado os três patamares do outro mundo, a promessa do inferno era mais do que certa. O cinismo, o sorriso amarelo e frio recaíam sobre mim de forma violenta. Tremia sempre que o ouvia falar para onde iria caso não cumprisse com a ditadura e a norma da religião. Ir para o céu estava fora de questão, tamanhas eram as exigências e condições. Como não era destituído de razão não me foi difícil perceber que nunca lá poderia entrar. Restava o purgatório, um espaço confuso, indefinido, triste, doloroso e cinzento, no qual, na melhor das hipóteses teria de ficar quase uma eternidade a não ser que rezassem por mim ou metessem cunhas e mais cunhas para ir para cima. Nunca acreditei que tivesse tal ajuda para alcançar o céu. Vendo como os humanos se comportavam e os como os emissários de Deus me viam e tratavam não me restava outra hipótese do que ficar naquele local para toda a eternidade. Sonhava com o purgatório, temia o purgatório e fugia dessa palavra, palavra que sempre me incomodou. Hoje, não me incomoda, nada. Confesso que também não me preocupo com o inferno, e quanto ao céu utilizo-o apenas nalguma alegoria mais ou menos poética. Só serve para isso e pouco mais. 
Sentado na minha sala favorita, desfruto o tempo através das janelas, aprecio o silêncio humano, descanso das atribulações e imagino, imagino coisas onde tudo pode caber menos o purgatório, esse espaço confuso, indefinido, triste, doloroso e cinzento. Prefiro ser eu a criar o meu espaço, sem cinismo e sem sorrisos amarelos e frios. Não preciso que se lembrem de mim, apenas peço que me esqueçam, uma sensação única e maravilhosa.
Santa Comba Dão, sábado, 28.09.2013

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